Se me dais licença, vou começar por fazer quatro perguntas :
1a : Sabeis o dia do vosso nascimento ?
2a : Sabeis o dia do vosso Baptismo ?
3a : Sabeis a data da construção da vossa igreja paroquial ?
4a : Sabeis a data da Dedicação da vossa igreja paroquial ?
Já sei que, salvo revelação repentina, ninguém ganhou. Pois já fiz a quarta pergunta há poucos meses, e não recebi resposta alguma, menos a duma paroquiana que pediu a muita gente, até ao bispado… e não encontrou resposta . Essa pessoa merece portanto uma « menção de honra ».
Achais isso normal ? Além disso, não me atrevo a imaginar o número de pessoas que nem sabem sequer o dia do seu baptismo. Quando, de vez em quando, faço a pergunta, a resposta é esta : « Mas, Senhor Padre, estava muito pequenino (pequenina), não me lembro !… Obrigado por me lembrar isso, mas sei perfeitamente que o ser humano não se lembra de nada do que aconteceu nos dois ou três primeiros anos da sua vida. No entanto, há uma data que precedeu o nosso baptismo de que , acho eu, ninguém se esquece : é o nascimento. Porquê será que toda a gente sabe o dia do seu nascimento ? Porque os nossos pais no-lo-dissseram, porque está inscrito nos documentos de identidade, e porque, desde pequenos, já festejavamos o nosso aniversário..
Se não sabemos o dia do nosso baptismo, é portanto porque nada ajudou a nossa memória :
Os nossos pais, padrinhos e madrinhas nunca falaram nisso.
A cédula pessoal não foi completada, consultada ... ou perdeu-se.
Nunca foi celebrado o aniversário do nosso baptismo.
No entanto, quer que seja o motivo, temos uma responsabilidade pessoal. Pois, se tivessemos a vontade de saber, teriamos sabido. Basta pedir a quem participou na celebração : eles tinham mais de três anos !. Caso ninguém se lembrasse, era (e é) sempre possível pedir no escritório paroquial… se conheceis o lugar onde fostes baptizados !
Se tivermos a coragem suficiente, o motivo por causa de que não sabemos o dia do nosso baptismo, enquanto que sabemos o da nascença (que aconteceu antes), teremos que responder mais ou menos isto : « É porque estou a viver como que um pagão ! » O que é « viver como que um pagão ? Não quer dizer que sois maus (há pagãos muito simpáticos) ; não quer dizer também que não ides à missa (vocês estão cá !). Por « viver como pagão », quero falar em geral : olhar como mais importante o que faz o homem do que o que Deus faz.
Não quero falar mais nisso no quadro desta homilia… Seria muito longo. Lembro só isto : David disse a Deus (ao profeta Natã) : « Vou construir uma casa para Ti ».- « Muito bem ! Parabéns ! » responde o Profeta. Mas a seguir, o Senhor diz a Natã o Seu Pensamento : « Sou Eu quem te construirei uma casa » manda-lhe dizer. Salomão, filho de David e seu sucessor é quem empreendera aquela obra. E David tem que abandonar o seu projecto, por generoso que seja, para realizar um trabalho diferente, muito mais importante : crer que Deus realizará a Sua promessa. Para quê serviria realizar muitas coisas « por Deus » se não acolhermos com fé o que Deus faz « por nós » ? Isso só serviria para nos afastar de Deus, e para nos afundar no nosso orgulho. Afinal, eramos capazes de pensar que somos nós quem vamos salvar Deus, enquanto que Ele é quem nos salva.
O Templo edificado por Salomão será profanado e destruido no tempo do Exílio ; depois será reedificado uma primeira vez por Esdras, outra vez profanado (mas não destruido) por ordem de Antioco IV Epifana, purificado de novo por Judas Macabeu. Estava em obras de reconstrução no tempo de Jesus por iniciativa de Herodes ( uma maneira para ser bem visto pelo povo e pelas autoridades religiosas).
« Voltemos à vaca-fria » (que, aliás, não temos abandonado) : dar o ser a uma criança, mesmo que seja por Deus, está bem. E não se pode « fazer » uma criança sem Ele, mas só com Ele. Mas se o gerarmos por Deus, tendo consciência de que o geramos com Ele, e se, além disso, somos cristãos, não poderemos deixar de pedir para a criança a graça do baptismo quanto antes. O Baptismo não é um acto que fazemos por Deus : antes de mais nada Deus é quem o faz por nós. Se estamos baptizados, mas se não ligamos importância ao nosso baptismo (porque nem nos lembramos da data), então isso significa que o nosso acto « por Deus » nos parece muito mais importante do que aquilo que Deus faz por nós.
Já o disse, há pouco : « Voltemos à vaca-fria »…Quer dizer : ao nosso assunto de hoje. Ora, o assunto de hoje não é só o baptismo (vão ser 4 daqui a pouco). O nosso assunto também é a Dedicação da nossa igreja. Ora, essa é a mesma coisa ! Cuidado : não digo que a dedicação duma igreja seja um baptismo. Há quem faz a confusão : baptismo, consagração, benção… Só digo que se trata duma semelhança : nascença e baptismo dum lado e construção duma igreja e dedicação dessa igreja, por outro lado. A construção duma igreja é obra humana. A Dedicação duma igreja é obra de Deus. Podemos falar assim, acho eu. Então, estais a ver a analogia ?
Em virtude dessa analogia, posso dizer-vos que, da mesma maneira que muitos dentre vós não sabem a data do seu baptismo, enquanto que toda a gente sabe a data da sua nascença( uma pessoa centenária até conhece a sua data de nacsença !) da mesma maneira ninguém, nem sequer no arcebispado, conhece a data de Dedicação da nossa igreja, enquanto que se conhece perfeitamente a data da sua construção. Relativamente à construção, consegui facilmente obter as informações : a nossa igreja nem é centenária. Lembram-se do início das obras de construção : no ano de 1930. São conhecidos também nomes de pessoas que foram na origem desta iniciativa, com muitos pormenores que não posso lembrar aqui : o Sr Morinière, que trabalhava na fábrica do Robert e morava no « Vert-Pré », onde construirá uma fábrica de destilação, cujas ruinas ficaram visíveis muito tempo no terreno dos « ananás », hoje chamado « Cidade os Ananás » ; dois Bretãos também : o Sr Leray, pioneiro da instalação da escola no « Vert-Pré »,e o Sr Maignan, que era dono das terras nas quais está hoje a igreja. O relato que tive a oportunidade de ler e que me deu essas informações, relato feito no ano de 1994, diz, entre outras coisas, isto :
« Relativamente à construção da igreja, ela foi o resultado duma solidariedade exemplar (o bispado, solicitado para participar com uma ajuda financeira tinha respondido que não se devia contar com ele), como infelizmente hoje em dia quase não se encontra no Vert-Pré. Na verdade, naquele tempo havia uma ajuda mútua sem cálculo, sem pensamentos reservados. As pedras que haviam-de ser utilizadas eram reunidas em cada bairro. À noite, quando o montão era bastante impotante, todos (mais ou menos 50) iam buscá-las e traziam-nas, um nas mãos, outro por cima da cabeça, enquanto cantavam alegremente cânticos religiosos. Era uma enorme procissão de homens e mulheres, felizes por trabalhar assim, que trabalhavam até não ficar pedra alguma. Então passavam o montão para o bairro mais próximo : eram, na verdade, « trabalhos de Hercules », quando se pensa na distância percorida e nas sendas lamacentas do tempo !
E as obras avançavam. Carpinteiros benévolos trabalhavam durante aquele tempo na fabricação dos bancos. (…) E o dinheiro ? Pois bem, algumas pessoas (poucas) conseguiram dar alguns francos e moedas : naquele tempo as pessoas tinham pouco dinheiro na campanha…
Naqueles condições difíceis, quatro anos foram necessários para edificar esta igreja. Isso é que é maravilhoso, e tudo isso, sabe-se muito bem, mesmo que muitos agora não se lembrem. Mas no que diz respeito à Dedicação : absolutamente nada ! Eis a anomalia. Esqueceram-se depressa que, para o baptismo do seu Filho, Deus começou a preparação desde antes da criação do mundo, usando de Abraão,de Moisés, dos Profetas… para chegar a Jesus Cristo, que desceu do Céu, nasceu da Virgem Maria e derramou o seu sangue por nós sob Póncio Pilatos. Esqueceram-se depressa de que, a seguir, os Apóstolos, auxiliados por muitos outros, foram anunciar aquela Boa Nova ao mundo inteiro, até que a fé católica chegasse ao nosso país há mais ou menos 500 anos, ao preço de tanto sangue , sacrifícios e renúncias até aos nossos dias… Tudo isso é obra do Espírito Santo, pois que sem Ele os homens trabalham em vão… Mas não nos esquecemos do jantar festivo preparado, por ocasião dum baptismo, da lista de convidados da « sono » ensurdecedora et de tudo quanto julgamos indispensável para criar « um ambiente ».
Ora, quando o que faz o homem se torna mais importante aos nossos olhos do que o que faz Deus, isso tem as mesmas consequências de há 2000 anos no Templo de Jerusalém, quando Jesus foi obrigado de intervir « manu militari » para pôr as coisas em ordem na casa do seu Pai, porque ela se tinha tornado casa de negócios. Entre a primeira Leitura (Dedicação do Templo e oração de Salomão : era bom lê-la inteiramente) e a cena do evangelho, que diferença ! que decadência ! A quem não gosta, Jesus diz : « Destroí este Templo, e em três dias, levantá-lo-ei ». Os adversários de Jesus respondem : « Quarenta e seis anos foram necessários para edificar este templo ( é recente, e fica em todas memórias, mas quanto valia aquela reconstrução aos olhos de Deus ?) et tu, em três dias levá-lo-ias ! ». Estais a ver a obra do homem : 46 anos : é muito mais do que para a igreja do Vert-Pré !) e a obra de Deus (3 dias) em que não acreditam quando manda o seu Filho único.
Terminarei esta homilia com uma citação do Cardeal Ratzinger que escreveu em 1975 (publicarei o texto completo ao longo da semana que vem) :
O que vale para as catedrais também vale para as igrejas : « Todas as igrejas são fundamentalmente intermutáveis e de dignidade igual » (Cal Ratzinger ».
Deixemos, portanto, o Espírito edificar a nossa igreja, graças ao seu auxílio para nós acreditarmos em Jesus, a pedra deitada pelos construtores, mas tornada pedra angular.