Então, o que é que poderá dizer um « pobre » pregador como eu, encarregado de vos fazer a homilia a respeito dessa viúva ? Em primeiro lugar, hei-de dizer que esse evangelho me comove muito pessoalmente. Agora mesmo, a minha mãe é viúva desde há 50 anos. Quando faleceu o meu pai, cinco anos depois de casar, ela ficou com 4 crianças ao seu encargo, cuja a mais nova, uma menina, acabava de nascer. Eu, o mais velho, ia crescendo e notava muitas vezes que os fins dos meses eram muito difíceis para a minha mãe : quando precisavamos de alguma coisa para a escola, tinha que contar os últimos céntimos do seu porta-moedas.
Mas a pobre viúva do evangelho era ainda mais pobre. Pois, a minha mãe podia usar dum pequeno seguro de vida que o pai tinha contratado, bem como duma pensão paga pelo Estado. No tempo de Jesus, em Jerusalém, não havia nada disso. As viúvas nem podiam sequer herdar dos maridos defuntos. Ao deitar as suas duas moedas no Tesouro do Templo, a viúva do evangelho não se diz : « Tanto faz ! amanhã o carteiro vai trazer-me o meu cheque »… Realmente, « deu tudo, tudo quanto tinha para viver ». A esmola dessa viúva é muito notável, pois lembramo-nos de que S.Marcos disse algures que os escribas « devoram os haveres das viúvas ». O contraste é gritante entre a voracidade dos escribas e a generosidade daquela mulher.
Aqui também tenho recordações da minha infância de que nunca me poderei esquecer. No nosso quintal havia um marmeleiro. A quantidade de fruta dependia da chuva : essa árvore precisa de muita água. Ora, naquele ano, como muitas vezes acontece na Bélgica, tinha chovido muito, e havia muitos marmelos. Como o marmelo não se como cru, a minha mãe tinha feito marmelada com eles (a marmelada é usada contra a diarreia). Ao que parece não eramos sózinhos a sofrer dessa incomodidade : os nossos vizinhos eram muito interessados pela produção artesanal da nossa mãe ; tinham pedido para ela vender alguns frascos. Os vizinhos tinham recebido os seus frascos de marmelada… mas a nossa mãe nunca recebeu o seu dinheiro !
Aquela anedota mostra bem que, ainda hoje, as viúvas, mesmo que tenham ajuda do Estado, ficam uma presa fácil num mundo em que, muitas vezes, vale sobretudo a lei do mais forte, onde reina o dinheiro. Se os escribas devoravam os seus pobres haveres, a viúva do evangelho teria podido aproveitar a sua situação para não deitar nada no Tesouro. Ao deitar as suas duas moedas, nem podia sequer esperar uma admiração qualquer muito menos um agradecimento como recompensa do seu gesto. O que ela fez foi totalmente gratuito, por amor ao Senhor, sen rancor nenhum contra os homens.
Então, sim, tiremos disso « pessoalmente, a conclusão prática, prudentemente, mas generosamente ». « Prudentemente, conforme o conselho de S.Paulo por ocasião dum peditório realizado para socorrer a comunidade de Jerusalém : « Não se trata de vos pôr na penúria auxiliando os outros, trata-se, isso sim, de igualdade » ; também « generosamente ». S.Paulo, antes de precisar com prudência aos cristãos de Corinto que não lhes pedia para dar do seu necessário, mas sim do supérfluo, faz uma chamada à generosidade deles, afim de que não se julguem muito facilmente dispensados de dar tudo quanto podiam dar. Diz-lhes : « Conheceis, pois, a generosidade de Nosso Senhor Jesus Cristo : ele, que é rico, tornou-se pobre por causa de vós, para que sejais ricos mediante a sua pobreza. (…) Agora, ide até ao fim da realização ; assim, tal como resolvistes com todo o vosso coração, assim havereis-de ir até ao fim das vossas possibilidades ». Não é obrigatório dar aquilo de que precisamos para viver, mas temos de ir até ao fim das nossas possibilidades ; eis a lição que podemos reter. Pouco importa se não se pode dar mais : « Quando damos com todo o nosso coração, somos aceites como somos ; pouco importa o que não se tem » (2 Co 8, 9-14)
Além disso, podemos acrescentar que « aquilo que temos » não é só dinheiro. Podemos dar também tempo, trabalho… Podemos dar até filhos. Não sei o que a minha mãe deitava na caixa da igreja ou no peditório da missa. O que sei, é que ela deu ao Senhor e à Igreja um filho padre, outro diacono permanente e uma filha consagrada numa comunidade… Podemos dar sobretudo o nossso amor. O que é importante, em matéria de dinheiro, de tempo, de trabalho, etc…não é a quantidade, mas sim a qualidade. E quando nos gabamos sempre da quantidade, é sinal de fraca qualidade. « Acautelai-vos dos escribas, que gostam de saír com vestidos compridos, que gostam das saudações nas praças públicas, dos primeiros lugares nas sinagogas e nos jantares. Eles devoram os haveres das viúvas e fingem rezar longamente : por causa disso, serão severamente condenados » A Madre Teresa dizia : « Não seremos julgados pela quantidade de trabalho realizado, mas pelo peso de amor que no trabalho tivermos depositado ».
« Condenados », « julgados » : trata-se realmente dum julgamento. Esse julgamento é o de Deus respeitante a cada um de nós. A Escritura fala várias vezes dum « julgamento geral », no fim do mundo, e também dum julgamento « particular », no fim da nossa vida.Mas aqueles dois julgamentos são misericordiosamente antecipados por Jesus, para que, no fim da nossa vida e no fim do mundo, não caiamos do alto, e para que tenhamos o tempo de nos converter na nossa maneira de dar. Na secção que estamos a meditar, Jesus apresenta-se como Aquele quem julga Jerusalém já neste tempo. O julgamento é realizado em actos e palavras. O julgamento de Jerusalém em actos começa com a entrada de Jesus na cidade ; continua com a figueira estéril e seca e com a purificação do Templo. O julgamento de Jerusalém em palavras são as discussões teológicas no Templo a respeito da sua autoridade, da maneira de ler a Escritura, da questão do imposto, da ressurreição dos mortos e do discernamento do que é mais importante nos mandamentos, bem como com a pergunta de Jesus que fica sem resposta. O evangelho de hoje é a conclusão desse julgamento. É o último ensinamento de Jesus no templo. Pois, já não entrará mais no Templo. Alguns dias mais tarde, Jesus vai ser julgado injustamente pelos mesmos que ele julgou tão justamente. Em vez de se converterer graças ao julgamento de Jesus, endureceram-se..
Em relação ao próprio Jesus é que cada um é interpelado e situado. É frente a Jesus que cada um é julgado, desde já, bem como no fim da sua vida, bem como no fim do mundo. Pela Sua Palavra e pela Sua Eucaristia, na qual ele se dá totalmente a nós é que somos julgados. Os vários grupos de adversários de Jesus não encontraram escapatória a não ser no silêncio e a não-fé. Qual a nossa reacção depois de ouvir a Palavra de julgamento de hoje ? Como é que resolvemos o que vamos dar no peditório , parte integrante da missa. Qual a nossa resposta a Jesus quem entrega o seu Corpo e derrama o seu Sangue por nós, quando o celebrante disser, no fim desta celebração : « Vamos em paz e que o Senhor nos acompanhe » ? Qual o nosso empenhamento no mundo, e na Igreja durante a semana que vem ?
Peçamos à pobre viúva do evangelho para nos ensinar que a única resposta que nós possamos dar Àquele que se tornou pobre para nos enriquecer é ir até ao fim das nossas possibilidades. Peçamo-lo também à Virgem Maria, a Viúva perfeita. Pois Ela é quem deu realmente tudo, tudo quanto tinha para viver : Jesus, o seu próprio Filho . Nisso ela é um sinal na Igreja. Num comentário muito bonito de Apresentação no Templo, Martinho Luther escreve :
A Igreja é portanto, também ela, como que uma viúva constantemente despojada dos seus bens por um mundo que a persegue, mas que não deixa de dar a Deus tudo o que tem : Jesus ».