Já estamos na quinta secção do Evangelho de S.Marcos, e ao mesmo tempo, estes são os últimos domingos do Ano « B » (Tempo Comum). Durante cinco domingos vamos ouvir, cada vez, não uma leitura contínua, mas sim cinco extractos dessa secção.
Depois da secção moral, trata-se agora explicitamente da subida de Jesus para Jerusalém. Esta a primeira vez em S.Marcos (cf. 10, 32-35) : 3° anúncio da Paixão – que foi omitido pela liturgia) !
Mas Jesus não sobe sòzinho. Qual é a « companhia de Jesus »? Ele sobe com discípulos assustados, com pessoas que estavam também a temer (10,32), e entre os Doze, Tiago e João ávidos de lugares de primeira e de poder, enquanto que os outros dez se indignavam. Era esse o quadro. Estais a ver : não se pode dizer que a qualidade estivesse presente !
É possível, evidentemente, insistir muito na atitude aventureira e na falta de lucidez naquela « companhia de Jesus », nomeadamente nos Apóstolos. Mas também é possível, em vez de criticar apontando com o dedo, ficar na admiração. Isto é muito mais positivo e sobretudo muito mais proveitoso para nós. Mas admirar o quê ? – Admirar duas coisas : em primeiro lugar o caminho que os Apóstolos haverão de percorrer a partir do Pentecostes ; e a seguir o facto de que não quiseram esconder o que era pouco glorioso para eles, mas que para a gloria de Deus, deram a conhecer às suas ovelhas, com sinceridade e humildade. Podemos imitá-los !
Não digo isso para evitar os problemas « espinhosos » a respeito das fraquezas e as misérias da hierarquia da Igreja ainda hoje (da hierarquia só ?), mas sim para indicar um caminho que seja proveitoso em vez de ser estéril. Pois, caso nos contentassemos, relativamente a este evangelho, com palavras mais ou menos inteligentes como estas : « Estais a ver, são todos iguais ! E não mudou. Agora é pior até !… », então, mesmo que não seja totalmente falso, podiamos deixar de lado o essencial. Podiamos sobretudo fazer nós aquilo mesmo que criticamos nos outros.. Pois, não está certo que a motivação secreta de palavras destas não seja a mesma do que a dos Dez que olhavam invejosos as manobras pouco recomendáveis de Tiago e João.
Evidentemente, se S. Marcos quis acolher no seu evangelho o que tinha ouvido da própria boca dos Doze, deve ser porque julgou que nas primeiras comunidades cristãs isso podia ser proveitoso não só à humildade dos Apóstolos, mas também ser uma advertência para os sucessores deles… bem como para todos os cristãos. É portanto assim que devemos meditar o episódio
Não nos esqueçamos também de que os primeiros cristãos tiveram que sofrer várias vagas de perseguições que deixavam pouco lugar às ambições inconvenientes « à Tiago e João ». A tentação dos cristãos perseguidos era mais do lado da demissão do que da ambição. Aquele que se tornava cristão sabia muito bem que deste facto perdia as esperanças dum futuro rico.
Sei bem que, nos tempos que seguiram, não foi sempre assim. Mas hoje em dia, na maior parte dos nossos países, o facto de ser cristão (principalmente católico) suscita sorrisinhos e palavras desagradáveis, nomeadamente diante das máquinas de filmar da televisão. Instintivamente gostamos mais de ficar despercebidos do que professar a nossa fé cristã. Hoje em dia, a promoção social sonhada por toda a gente já não consiste em ser padre. Da mesma maneira, um padre não sonha necessariamente no episcopado, mesmo que S.Paulo diga que quem deseja ser epíscopo deseja uma tarefa bonita (1 Tim 3,1)
Um jovem que vivia em Alexandria, muitíssimo inteligente e aberto às coisas de Deus, um certo dia, ao ler o capítulo 53 de Isaías (cf. 1a leitura) tinha dito , no seu coração : « Mas é Jesus ! É Jesus ! » Ora, quand manifestou a sua descoberta, os seus familiares tornaram-lhe a vida tão dura que ele se matou. A perseguição faz parte do programa.
« Não sabeis o que estais a pedir », disse Jesus. Isso é verdade relativamente à maior parte dos nossos pedidos na oração. Mas Jesus sabe muito bem o que responde. Quando lhe pedimos a glória, Jesus responde-nos pela prova e pela perseguição. Pois que as nossas provas actuais são ligeiras comparativamente ao peso de glória eterna que nos preparam, diz S.Paulo (2 Co 4,17). Tiago e João aprenderam isso, também eles. João foi o único dos Doze a seguir Jesus até à Cruz. Tiago foi o primeiro dentre os Doze que morreu mártir.
Quando lemos assim o Evangelho, verificamos que é um livro de combate. « Estava escrito para os discípulos que combatem pelo anúncio da Palavra de Cristo frente a adversários que não recuam diante dos piores tratamentos » (S-Th. Pinckaers). Percebemos melhor também o carácter às vezes nítido e duro de algumas palavras e exigências de Cristo. Mesmo que gozemos exteriormente da paz religiosa, interiormente temos todos que enfrentar uma luta espiritual.
Assim Jesus leva os seus discípulos até a « PASSAR DA LOUCURA DAS GRANDEZAS À LOUCURA DA CRUZ ». . A grandeza verdadeira é mesmo a santidade. E a santidade é o AMOR. Mas não há Amor sem Cruz. « Não há maior amor do que dar a sua vida pelos seus amigos » (Jo 12,13). « As grandezas hierárquicas passarão, já não existirão mais. Haverá grandezas de santidade (…), quer dizer : as opções que se hão-de fazer pela luz ou contra a luz » (Cal Journet).
Tudo isso não impede que os Santos tenham sempre respeitado as grandezas do mundo e as da hierarquia da Igreja. Quando S. Vicente de Paulo chegava na presença de Luís XIV, dava-lhe todas as provas de reverência usadas naquele tempo. No tempo de Sta Catarina de Sena, havia muitos abandonos e muitos escândalos entre os sacerdotes ; no entanto, ela dizia : »Eles são ministros do Sol . Não os devemos condenar ; o Juiz único é Deus ».
Na verdade, todas as grandezas de hierarquia desaparecerão, as da Igreja bem como as do mundo. Só ficará a grandeza da santidade. A Igreja canoniza certos cristãos. Mas a Igreja não diz quem, entre os cristãos, é o maior. Aparecerão muitas surpresas. Daqui a pouco, vamos celebrá-los a todos numa só e única festa. Talvez santos desconhecidos sejam maiores do que santos famosos. No entanto, o que nós podemos dizer sem risco de nos enganar, é que a Virgem Maria é Rainha de todos os santos, portanto a maior de todos. No nosso Rosário, peçamos-lhe sem cessar que reze por nós,pobres pecadores. Ela sabe muito bem o que deve pedir por nós. E os seus pedidos são cada vez atendidos.