Pouco tempo depois disso, havia nesta freguesia um dia de preparação para a Profissão de Fé. Da parte da manhã, o padre, que queria seguir os conselhos do seu bispo mais do que os das catequistas, pede às crianças para trabalharem sobre o " prólogo " de S.Marcos : o Baptismo de Jesus (" Tu és o meu Filho muito amado "). De tarde, antes das confissões, ele explica o episódio de Jesus a expulsar os demónios : " Sou sacerdote desde há quase 25 anos e nunca tive confissões como esta vez ", disse ele. A partir daí as crianças começaram a " esvaziar o seu saco " e a dizer todos os venenos que tinham absorvido mediante " góticos satanistas " e sítios " pornos ", seguidos de tentativas de suicídio ou de fuga. Pela primeira vez da sua vida, com mais de 60 jovens, não houve o mínimo problema de disciplina. Nunca os cadernos tinham sido tão limpos e bem ilustrados.
Era no ano passado. Este ano, ele continua com S.Lucas. Tem o projecto de estudar os 4 evangelhos no espaço de 4 anos. No fim de 4 anos, o coração daqueles jovens há-de ser bem alimentado e preparado para enfrentar as tempestades.
Em princípio, lembro-vos isto mais uma vez, o objectivo da liturgia da Palavra, nos domingos do Tempo Comum é este : ajudar- nos a todos e não só as crianças da catequese- a fazer uma leitura continua dos três evangelhos sinópticos. Infelizmente, nestes últimos domingos, assim como nos seguintes, há bastantes excepções. Já houve um corte entre o 24° e o 25° domingo. Haverá mais um entre o 30° e o 31°. Por isso é que é muito importante não perder de vista a continuação dos evangelhos do 25° até ao 28° domingo ; caso contrário, os trechos proclamados não passavam de anedotas sem pés nem cabeça, das quais se tentaria em vão tirar lições para hoje.
Na secção anterior, já o disse na homilia de domingo passado, o problema central era : " AQUELE JESUS, QUEM É, AFINAL ? " É portanto esta a questão da FÉ. A secção nova, que começa com o evangelho de hoje responde à esta pergunta : " QUAL O COMPORTAMENTO CARACTERÍSTICO DOS DISCÍPULOS DE CRISTO ? " Vamos, pois, tentar perceber o movimento, bem como a estructura dessa parte do evangelho, que é do campo da moral..
Esse trecho (9,33 10,31) fica entre " o segundo e o terceiro anúncio da Paixão " (9,30-32 e 10,32-34) Antes de mais nada, vamos tentar rapidamente -(não é nada complicado, como vamos ver ; e podereis fazer o exercício em casa com os vossos filhos)- reparar o vocabulário significativo daquela parte. O que chama primeiro a nossa atenção, é isto : a utilização frequente da expressão " entrar na vida ", " entrar no Reino ". Ora nunca Jesus diz qual é aquele reino. Só diz que temos de o procurar, de esperar por ele, de o acolher. Portanto, é uma realidade misteriosa e desconcertante, a respeito da qual Jesus só diz a que se assemelha, mas nunca o que ela é. Para saber o que é o Reino de Deus, temos que seguir Jesus, e mais nada !
No evangelho de domingo passado, Jesus confessado como Messias pelos Doze, lançara uma chamada inaudita : " Se alguém quiser andar atrás de mim, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me (8,34). A moral cristã, afinal, não é outra coisa a não ser esta : formar com Jesus, confessado como Messias, como Filho do homem sofredor, uma comunidade de vida até ao fim. Quem quiser desatar a moral cristã da pessoa de Cristo, já não é cristão, uma vez que a moral cristã é precisamente esta : um convite para ser e para viver " como Jesus ".
O que acabo de lembrar é imprescindível para depois perceber as regras do comportamento ( o caminho a seguir, a moral) que darão aos discípulos de Cristo a possibilidade de entrar na Vida, de entrar no Reino de Deus. Essas regras estão apresentadas com forma de paradoxos, como que um derrubamento total dos valores habitualmente admitidos pelos homens. Por exemplo, no evangelho de hoje, Jesus diz : " Se alguém quer ser o primeiro, seja o último de todos e o servidor de todos (9,35). Encontraremos outra vez esse paradoxo ( procedimento de inclusão) no fim desta secção (10,31). Há outros entre os dois. Podereis notá-los em casa.
Estes paradoxos manifestam o derrubamento dos valores feito pela moral cristã, em relação com a moral humana. Frente a estas exigências, a reacção habitual é dizer assim : " Não é nada evidente, Senhor Padre ! " Aquele receio diante das dificuldades da vida cristã aflora no texto evangélico cada vez que se fala da Paixão de Jesus, aqui em 9,32 : " Os discípulos não percebiam essas palavras e tinham medo de o interrogar ". Cada vez que a Igreja lembra tal ou tal exigência da moral cristã, é a mesma reacção, o mesmo medo que se manifesta.
Um exemplo entre muitos outros : a proclamação, no ano de 1968, da Encíclica " Humanae vitae " pelo Papa Paulo VI ; (Publicarei esta semana nas Homilias a tempo e a contratempo o texto escrito pelo Padre Pio ao Papa 11 dias antes de morrer, e publicado no " Osservatore Romano " uma semana mais tarde, como que um testamento ) Todo o contexto dessa encíclica do papa, por um lado, e da carta do Pe Pio por ocasião da publicação dela, por outro lado, são, acho eu, uma ilustração perfeita daquele clima de medo diante das exigências da moral cristã, as quais são finalmente as exigências da Cruz de Cristo. Surge então a tentação de desobediência. Quantos cristãos, católicos, não cairam nessa tentação e continuam a cair ? O tema da encíclica evidentemente não dizia respeito ao Padre Pio, que tinha feito o voto de castidade, Mas ele obedeceu intelectualmente, ao invês doutros sacerdotes e religiosos, que ousaram , nessa altura, ensinar abertamente o contrário daquilo que dizia o papa. Além disso, tinha sofrido muito apesar de fielmente por causa daquela submissão quando foi alvo de acusações e de sanções injustas da parte, nomeadamente, de alguns bispos. Era capaz,portanto, de experimentar pessoalmente a Paixão de Cristo !
Seguir Cristo, nestas condições, quer que seja a vocação de cada pessoa, é dizer com Ele : " Deve-se ". " Pela primeira vez ensinou-lhes que devia o Filho do homem sofrer muito, ser rejeitado pelos anciãos e escribas, ser morto, e depois de três dias, ressuscitar " (8.31) Aquele " devia " não tem nada de comum com a fatalidade. Está no evangelho de domingo passado.
No evangelho de hoje, é a segunda vez : " O Filho do hemem é entregue às mãos dos homens ; matá-lo-ão e, três dias depois de morrer, ressuscitará ". Na Cruz, não é primeiro o sofrimento físico que dá medo, é o sofrimento espiritual da obediência (ser entregue), da renúncia à vontade própria, aos raciocinios próprios, sobretudo quando Jesus é seguido para ser " o maior, o primeiro ". Mas não é o querer ser grande que é oposto à vontade de Deus e à moral cristã. A obediência ( e a humilidade, que anda com ela) não consiste no aniquilamento próprio, não é, como pensava Nietzsche, a virtude dos fracos : " Eis que vos ensino o " Sobre-Homem ", escrevia. O Sobre-Homem é o sentido da terra. Que a vossa vontade diga : Que o Sobre-Homem seja o sentido da terra " (em " Also sprach Zarathustra ", livro que o próprio Nietzsche apresenta com que um " 5° evangelho ")
No Reino de Deus, os obedientes são quem reinam, as crianças são quem governam. Por isso é que Jesus pega numa criança : " colocou-o no meio deles, beijou-o e disse : Quem acolhe em meu nome uma criança como esta, acolhe-me. E quem me acolhe não me acolhe a mim, mas acolhe Aquele que me enviou. Sto Hilário diz : " Através da palavra criança, o Senhor significa todos quantos acreditam pela fé depois de escutar como crianças, que seguem o pai, amam a mãe, confiam no que lhes dizem. O costume e a vontade de tais disposições encaminham-nos para o Reino dos Céus. Se nos convertemos à simplicidade das crianças, irradiamos à nossa volta a humildade do Senhor ".
No domingo que vem, vamos celebrar a festa de Santa Teresinha do Menino Jesus e da Santa Face. Peçamos-he esta graça. No meu " blog " : " Marie, éToile de lévangélisation " encontrareis todos os dias desta semana uma oração de novena que vos poderá ajudar neste sentido. Boa caminhada com Jesus ! E chegados à casa, não tenhais receio de lhe fazer perguntas. Ele veio não só para caminhar, mas tambm para ficar convosco.