A seguir, Jesus segue para o levante, " em pleno território da Decápola, isso é na Jordânia actual. Fica, portanto ntre os pagãos. É mesmo o evangelho deste dia. Depois disso, S.Marco situa a segunda multiplicação dos pães. Portanto, Jesus realiza para os pagãos o mesmo sinal do que para os Judeus, junto à riba do lago de Galileia.
Assim percebemos melhor o alcance da discussão sobre o puro e o impuro, quando se trata de comer o Pão que Deus dá sem distinção a uns e outros. Os impuros não são aqueles a quem se pensa ! Os impuros são aqueles que não acreditam, aqueles que têm o coração endurecido. À partida, consequência do pecado dos primeiros pais, todos os homens são impuros. Mas encontram-se também homens que, indo a Jesus, confessam a sua impureza, e se deixam purificar por Ele . Pelo contrário há pessoas a pensar que são puras e que não precisam de ser purificadas. Ficam afastadas dos outros com desprezo (" fariseu " quer dizer : " separado "), e portanto ficam afastadas, elas também da Mesa do Reino.
Na Igreja, Povo de Deus no qual Deus fez cair aquilo que os separava, o muro do ódio, ao suprimir as prescrições jurídicas da Lei de Moisés (Ep 2,14-15), todos podem participar nessa Mesa. É preciso ler aqui todo o capítulo 2 da carta de S.Paulo aos Efésios, onde S.Paulo, o Judeu convertido, fala aos pagãos da cidade pagã. S.Paulo começa assim : " E vós, outrora estavais mortos, por causa das culpas e dos pecados nos quais estavais a viver (v. 1-2-. Mas continua logo assim : " Também nós, eramos daqueles, quando seguiamos as tendências egoistas da nossa carne, conforme os caprichos da nossa carne e dos nossos raciocínios ; eramos, nós próprios, destinados à cólera como todos os outros. "
S. Marco, ele, escreve para os cristãos de Roma, e quer mostrar-lhes que " a fracção do pão " eucarístico (o pão que a Igreja agora partilha com todos) encontra o seu fundamento histórico concreto na vida de Jesus com os seus : já como Pastor do seu Povo, ele reunia-os a todos e partilhava -lhes o pão " (Mourlon Beernaert).
Mas atenção ! isso não implica a abolição de toda a exigência ! pelo contrário, é uma exigência muito mais importante que se encontra imposta : a exigência do coração puro. É mais exigente purificar o coração do que se lavar as mãos. " Creio num só baptismo para a remissão dos pecados ". Essa é a fé que proclamamos depois da homilia.
S. Marco mostra-nos que aquele baptismo, também ele, está enraizado nas palavras e nos gestos históricos de Jesus. Os catecúmenos que hoje em dia se preparam ao baptismo aprendem isso. O evangelho de hoje lembra-nos isto : o rito do Effétah " exprime a necessidade da graça para ouvir a palavra de Deus, e para a proclamar em vista á salvação " (Ritual da iniciação cristã para os adultos, n. 194). Durante esse rito, " o celebrante toca com o polegar a orelha direita e a orelha esquerda, depois os lábios de cada catecúmeno, dizendo : " Efféta (o que que dizer) : abre-te, afin de proclamares a fé que ouviste para o louvor e a glória de Deus " (ibid.N.196)
Só uma coisa feita por Jesus não se faz agor a: o facto de tomar saliva. (Para os Judeus, e até agora, a saliva tem fama de possuir um poder curativo , quando se trata de feridas sem gravidade).
" As orelhas dele abriram-se : loge a sua lingua foi desligada e começou a falar correctamente ". Evidentemente, aquela cura não é só uma cura corporal mais uma ! - além da cura ele manifesta o poder da graça de Deus para Israel e para todos os homens. Vede os gestos feitos por Jesus : não só põe os dedos nas orelhas e não só toca a lingua do surdo-mudo, mas " de olhos levantados para o Céu, suspirou e disse : Effata !, isto é : Abre-te ! "
Se Jesus levanta os olhos para o Céu, é para maifestar a origem de todo o poder de criação e de restauração no qual participa em seu corpo, e que pode comunicar àquele que se deixa formar como que um recém-nascido " (Radermakers).. O Céu, é o Pai que " está nos Céus ".
Lembremo-nos também que o dedo de Deus é o Espírito Santo. O suspiro de Jesus evoca, também ele, estes gemidos inefáveis do Espírito Santo, que vem ao socorro da nossa fraqueza e que intercede por nós
Assim é toda a Trindade que está a agir atrvés dos gestos mais simples de Jesus, nos simples ritos do baptismo e que nos torna capazes da Eucaristia.
A ponta do relato, o mais espantoso de toda a história é isto : ao olharmos com atenção, os pagãos são tocados mais facilmente pela graça do que os Judeus, do que os discípulos. Os Doze até nem sempre são curados da sua surdez e da sua cegueira. Ainda terão que percorrer muito caminho. S.Marco não deixa de evidenciar a lentidão deles par " ouvir " e " ver ", isto é : para perceber e acreditar (4,13 ; 4,40-41 ; 8,18 ; 16,14). No Domingo que vem, no entanto, vamos ver que Simão-Pedro não é impermeável a tantas palavras e gestos de Jesus.
Até là, temos que reflectir ; não tenhamos receio de confessar que, muitas vezes, nós os cristãos praticantes melhor : " missalisantes " (= fiéis à missa dominical), nós que ouvimos a Palavra de Deus todos os domingos, que nos aproximamos da Mesa Eucarística em cada Missa, temos nós também o espírito bem tapado, enquanto que outros, ao que parece, mais afastados do Senhor, deixam-se mais facilmente tocar pela sua Palavra e transformar pela sua Eucaristia. Afinal, para nós, qual há-de ser a importância e a influência da missa do domingo sobre a nossa vida desta semana que começa ? Como dizia o teólogo von Balthasar de maneira atrevida para os especialistas da Bíblia : " Muito poucas pessoas , agora, neste século da " acribia filológica e da arte do recorte, savem que a Bíblia tem Deus como Autor e assim como Origenes não deixa de repetir, deve necesssariamente ter um significado digno de Deus, ou então ter significado nenhum " (" Esprit et feu ", p.49). E um dos discípulos dele para os teólogos : " A nossa teologia muitas vezes retrogradou para o simples monoteismo, mais ou menos polvilhado de citações evangélicas. Eis o que nos da para pensar " (A.Manaranche, " Je crois en Jésus-Christ aujourdhui ". Aquela frase foi escrita em 1968. Acho que não deixa de ser actual.